Leia Coluna do Airton Engster dos Santos no Jornal Nova Geração de Estrela

segunda-feira, 21 de junho de 2021

Antigos Kerb no Vale do Taquari

 



Antigos Kerb no Vale do Taquari

Em 31 de julho de 2013, na Igreja Matriz de Santo Inácio de Lajeado foi lembrado o 132º aniversário da instalação da Paróquia, ocorrida em 1881. Por várias décadas, festejava-se o Kerb. Hoje, restou o Almoço de Kerb, em 4-8-2013.

Aliás, desde 1824 de largo uso no RS e parte de SC, dicionários ainda não registram o termo Kerb.

Onde encontrar documentados os mais antigos Kerb na região?

Em meu Laboratório de Pesquisa tenho encadernado alguns exemplares do primeiro jornal de Lajeado, O Alto Taquary. Na edição de 8-1-1905, p. 3, há menção do Kerb de São Caetano, em Arroio do Meio, promovido por Krambunho, apelido de Filipe Scherer Sobrinho. Há menção de Kerb em Arroio Alegre, em 30-1-1905, promovido por J. Hamester.

Em Encantado, quando segundo distrito de Lajeado, o empresário comercial João Ferri ampliou sua casa comercial para instalar um salão festas e bailes. Entre os eventos, destacava-se o Kerb no Encantado, como em 29-6-1905 – cf o mesmo jornal, de 25-6-1905. Nas edições seguintes, há outras festas de Kerb.

Até onde a memória alcança, em Lajeado sempre foram festejados os Kerb. Encontramos no jornal A Semana, de 17-7-1933, a notícia de que a Paróquia de S. Inácio de Loiola, desta vila, comemorará mais uma festa do seu padroeiro a 6 de agosto próximo vindouro, reinando para esta tradicional festa bastante animação. O C. S. Lajeadense que realizará os Kerbs nos dias 6, 7 e 8 está tomando providências para revesti-los da maior animação. A Sociedade Ginástica local, por motivos de força maior, irá levar a efeito os seus “Kerbs” em as noites de 30 e 31 do corrente.

No decorrer das décadas, diminuíram-se seus dias de festa, reduziram sua importância ou alteraram sua forma de comemorar. Em 2011, o Kerb de Santo Inácio foi preparado por um tríduo ou três noites de orações. O Kerb é um evento tradicional da paróquia, que une espiritualidade e o social – enfatizou o pároco, padre Antônio Puhl. Nas homilias das missas, foi homenageado o padroeiro Santo Inácio de Loyola. Foi rememorado seu fundador, Antônio Fialho de Vargas. Ao meio dia, foi servido o almoço comunitário no Ginásio Centenário, lotado de povo.

Kerb dos Evangélicos

Os festejos de Kerb entre o povo evangélico luterano, especialmente alemão, tem por origem a alegria pela inauguração de seu templo. Portanto, o Kerb é o dia do aniversário da inauguração do templo.

Antigamente eram festejados três dias, especialmente na colônia, quando se recebia a visita dos parentes e amigos de outras comunidades.

Os Kerb iniciavam com um culto solene. Após o culto, a orquestra aguardava os fiéis à frente da porta do templo. Ao bater do sino, estouravam-se foguetes e a orquestra iniciava a tocar, conduzindo pastor e fiéis ao salão, onde, para muitos, a festa tinha continuidade até ao amanhecer do dia seguinte.

Em casa, normalmente as visitas eram recebidas com churrasco, regado à cerveja, e gasosa para as mulheres e crianças. Após o almoço havia sobremesa. O sagu não podia faltar.

À tarde, as mulheres serviam tortas aos presentes. Lembro-me que, em tempo de criança, meus pais certa vez receberam, de improviso, a visita de amigos e parentes vindo de ônibus. Por sorte havia um açougue próximo e ainda aberto, onde papai buscou quilos de carne e carvão para assar. Todos saíram satisfeitos e alegres.

À noite, havia os famosos bailes de Kerb com a famosa gilda, vestida de mulher, pendurada no alto e no meio do salão. Quem arrancava a gilda durante a dança, era convidado a pagar uma rodada de cerveja para os amigos. Normalmente, o baile iniciava com a dança da polonaise. Todos eram convidados a participar e a expressar a sua alegria.

Hoje, muitas comunidades evangélicas não comemoram mais o dia da inauguração de seu templo. A palavra Kerb passa a ser esquecida, mesmo em nossa Comunidade Evangélica em Lajeado – depoimento do Prof. Herbert Lohmann, por e-mail de 10-8-2011.

Para registrar que o nosso interior ainda se reúne para festejar, de alguma forma, suas alegrias tradicionais, transcrevo o mais recente evento, de 28-9-2013: a Comunidade Evangélica de Arroio Abelha II, em Forquetinha, festejou seu Kerb.

Kerb na Alemanha de hoje e sua origem.

O texto acima do Lohmann foi enviado a um amigo meu, Ernesto Schlieper, pastor aposentado, agora residente na Alemanha, e que nos respondeu por e-mail de 15-8-2011;

A descrição de seu amigo Prof. Lohmann é exata e confere plenamente. Não só os evangélicos (luterano-reformados) celebravam o Kerb, como também os católicos. Aliás, o Kerb, também chamado de Kirchweihfest - festa da consagração da igreja - data da Idade Média!!! Para ambas as confissões era a celebração da consagração das igrejas, capelas, etc.

Na Baviera, atualmente, celebra-se no terceiro domingo de outubro o Dia da Igreja, em alemão Kirchtag. Este foi introduzido com intuito de aglomerar numa data as diversas festas de Kerb, se bem que se mantêm os Kerb no dia do padroeiro da igreja/capela ou na data de consagração do templo.

Também se encontra outra versão da origem do termo, na palavra "Kerbe" e seu verbo "kerben". Significa entalhe e entalhar. Ainda no século 18, em várias regiões na Alemanha, como na Renânia e no Palatinado, quando era inaugurada uma igreja ou capela, no portão de madeira da entrada principal, erguida em forma de arco, fazia-se um entalhe ou um corte, repetido a cada ano, no seu aniversário, festejado pela comunidade e sua vizinhança. Assim, sabiam-se quantos anos tinha a igreja, desde a sua inauguração. O hábito de festejar o aniversário de inauguração e ou seu santo padroeiro também foi trazido pelos imigrantes para o Brasil e cultivado nas linhas coloniais, identificado por Kerb.

Cada igreja e capela tinham o seu dia próprio de Kerb. Hoje, muitas localidades nem lembram mais a data.

Como eram festejados os Kerb?

Esta festa chegava durar uma semana. Depois, duraram de dois ou três dias. A mãe, os filhos, os netos e os parentes próximos chegavam à sexta – feira, no sábado ou no domingo para juntos participarem do encontro cerimonial, místico e espiritual. Tudo iniciava com um culto, uma missa, com a participação do coral ou grupo instrumental. Após o ato religioso, acompanhada de uma bandinha, a comunidade fazia o trajeto solene da Igreja até o clube, onde era a festa. À noite, era o baile de Kerb acompanhado pelos quitutes da cozinha regional.

De fato, mais que duas semanas antes, começava-se a sentir o espírito do Kerb. Havia um ar de satisfação e otimismo. Era a festa mais esperada do ano. Em sua preparação fazia-se uma faxina geral na casa, cortinas lavadas, assoalho escovado, jardim limpo, bem como o pátio, galpão, estrebaria e seus arredores, tudo cuidadosamente ajeitado. No meio da semana começavam os quitutes: sobremesa, cucas, bolachas, tortas, Sauerkraut, conservas de pepino, etc. Como não havia luz elétrica na maioria das casas, o refrigerador era totalmente inexistente. A bebida era colocada em um balde e dependurada no poço, cuja água era sempre fresca. A geladeira veio depois.

Os encontros familiares em dias de Kerb eram uma alegria esperada por todos. As crianças e primos se reencontravam. Aprendiam conhecer tios, padrinhos e parentes. Mostravam seus brinquedos. Os guris improvisavam uma bola de pano para jogar uma pelada ou se divertiam com “carreta de morro” nos declives de potreiros. À noite, a gurizada preferia dormir na grande sala. Era uma farra inesquecível.

Os jovens aguardavam, com ansiedade, o "Baile de Kerb", o ponto alto, para os quais preparavam os melhores trajes e vestidos. As costureiras começavam a ter mais trabalho. Para as moças, significava um vestido novo, quando não dois ou três, um para cada noite.

Os rapazes mandavam costurar calças novas. Sapato novo já era coisa mais rara. Usava-se o tamanco pela estrada, levando o sapato numa sacola até perto do local do evento, onde era calçado. Os que vinham a cavalo mostravam suas qualidades de cavaleiros, em arreios de couro e adornos prateados, ainda mais quando o belo sexo estivesse nas proximidades.

As mulheres mostravam as novidades da casa, habilidades manuais, álbuns de fotos, troca de experiências na educação dos filhos, escola, saúde e tudo quanto se relacionava a assuntos domésticos.

Os homens reviam os melhoramentos havidos na propriedade, trocavam experiências em assuntos de agricultura, criação de gado, novidades em compra e venda de produtos agrícolas. Às vezes, nasciam bons negócios.

Nos antigos Kerb, havia três noites de baile, ou no mesmo salão, ou em salões próximos e diferentes. Numa das noites, era o baile dos casais; uma segunda noite, o baile dos jovens; na terceira noite, o baile de toda a família. Junto ao salão bailante, havia uma sala onde as mães podiam deixar os bebês, que lá dormiam, sempre sob os cuidados de alguma conhecida. As “babás” se revezavam. Estes bailes de Kerb proporcionavam os jovens conhecer outros jovens, de lugares mais distantes, início de muitos namoros e casamentos.

Como em cada linha colonial e povoado as festas de Kerb eram em datas diferentes, as famílias e amigos retribuíam as visitas e acampavam nas casas. Por isso, as moradias eram grandes, com quartos para hóspedes. Por muitas décadas, a hospitalidade era uma das virtudes e características de boa família.

Em Novo Paraíso, Estrela, os bailes de Kerb se faziam no Salão de Pedro Petter, como nos dias 21, 22 e 23-10-1928 - cf O Paladino, de 20-10-1928. Em Canabarro, Teutônia, as três alegres noitadas de “Kerb” eram no último fim de semana de janeiro, nos dias 26, 27 e 28 - cf O Paladino, 18-1-1941, com bailes no Salão de Guilherme Schneider Sobrinho. Na semana anterior, era festejado em Bom Retiro.

Em cada comunidade, a preparação do Kerb era feita em mutirão, para deixar a capela, a escola, o salão, o cemitério, seus respectivos pátios e caminhos, tudo limpo e asseado. As folhagens, galhos de coqueiro ou palmito, com bandeirolas coloridas, davam ares de festa. A missa ou o culto se revestia de caráter solene, com música e canto coral, tudo bem ensaiado, com muita antecedência. Depois da cerimônia religiosa, ao som da banda e rojões, iniciava-se a festa profana, muitas vezes com quermesse. Este verbete quermesse, pelo Aurelião. tem origem do flamengo (França e Bélgica) Kerkmesse, de raiz germânica: Kirche + Messe, ou seja, igreja + missa.

Os salões estavam enfeitados. No centro da pista, ao alto, estava o "Kerwekranz", a "Coroa do Kerb", de onde pendiam garrafas de cerveja e gravatas. Quem conseguisse arrancar uma gravata ou cerveja, tinha o direito de chamar a bandinha ao seu redor e pedir a execução de uma peça musical. Em compensação, cabia-lhe pagar uma rodada de cerveja ao seu grupo. Antigamente, nos sábados, não havia baile, pois o padre ou o pastor não queria as pessoas sonolentas na igreja, na manhã seguinte. As três noites de baile estavam destinadas, especificamente, para os jovens, os casais e uma noite para todos. Afinal, a maioria aproveitava as três noites. O baile iniciava logo, ao escurecer, e terminava lá pelas duas ou três horas da madrugada. Anos depois, iniciava mais tarde e terminava ao amanhecer.

Ao meio dia, o "Kerweessen" (Almoço de Kerb) era o que havia de melhor na casa. Os mais abusados já usavam a expressão Fresskerb para indicar abundância ou comilança. Mais tarde, o churrasco e a maionese de batata foram ganhando preferência. Serviam-se o Streusselkuchen (cuca), com Wurst (linguiça), Schweinebraten (assado de porco), galinha ao forno, Mehldoss (doce de farinha de trigo), Stergdoss (doce de polvilho), Schucrute, batata cozida em água, bolinhos de carne moída formavam o cardápio.

Tudo era regado à cerveja caseira ou Spritzbier, vinho de pipa e Sangerie, uma espécie de refrigerante caseiro, de vinho com água, para as crianças e mulheres. Os mais abastados tomavam cerveja e gasosa industrializadas.

À meia tarde, era servido à mesa o tradicional café colonial. Ofereciam-se em abundância as cucas, pão de trigo com linguiça, nata, manteiga e "Schmier", termo próprio da região, para significar o doce de frutas, feito com melado de cana. Muitas vezes, tinha também tortas e bolos.

Kerb em Estrela

O Kerb estrelense era vivamente festejado, sempre no fim de semana mais próximo do dia 13 de junho, dia de Santo Antônio, padroeiro de Estrela. Luiz Bennemann, por exemplo, convidava o público em geral para os bailes e festas no seu Salão Oriental, nos dias 14, 15 e 16 de junho de 1925, com boa mesa e bebidas de todas as qualidades.

A imprensa naturalmente não registraria costumes, tradições e "promoções" particulares, em dias de Kerb, na intimidade dos lares. Noticiavam, algumas vezes, a euforia da população, como O Paladino, de 24-6-1939, registrou com a manchete Os "Kerb" de Estrela. Iniciou no dia 10: Sábado à tarde, notava-se que todos estavam contaminados pelo entusiasmo para as noitadas, ansiosamente esperadas. 

O domingo veio cheio de sol e de alegria. Cedo, já se ouvia a algazarra da comissão improvisada de propaganda que, em um caminhão, percorria as ruas da nossa "pacata Estrela", dizendo a "todo mundo", que era chegado o dia do início da festa do nosso Padroeiro. Mais adiante: Antes da missa solene, na igreja matriz, o excelente conjunto musical do Sr. Walter Zimmermann, reuniu-se na Praça Benjamin Constant, dando uma retreta. A "amostra" agradou sobremodo a todos que assistiram à tocata. Após a missa, a referida orquestra, há dias "batizada" de "Jazz Bando Estrela", foi cumprimentar, na casa paroquial, o padre Reinaldo Juchem, vigário, o qual ofereceu doces e finos líquidos aos componentes do "Bando", bem como aos porta-bandeiras das Sociedades Santa Cecília, local e de Picada Delfina, e às suas guardas de honra.

Na vila de Cruzeiro do Sul, o Kerb era comemorado na segunda semana depois da Páscoa. Quem lembra o Kerb de São Miguel, de Linha Sítio, é Vicente Kronbauer, no e-mail de 17-8-2011. Era festejado no primeiro fim de semana depois de 29 de setembro, dia de São Miguel. Iniciava com a missa solene. A festa comunitária era no salão grande, de madeira, com pista de dança no centro, ladeada com estrado mais alto e protegida por corrimão, onde ficavam as mesas, a copa, o quarto das gurias (para retocar pinturas e repentear). Num canto do salão, logo à esquerda da entrada, estava o palco dos músicos. No salão não faltavam as Gildas para serem arrancadas e cada Gilda arrancada precisava pagar uma determinada quantia de cervejas.

Em várias localidades, também havia a tradição de se comemorar o Nach-Kerb, que consistia numa noite de baile, após as festas de Kerb. Em Estrela, por exemplo, um mês depois dos Kerb de 14, 15 e 16-6-1930, em 12 de julho, realizou-se o Nach-Kerb na SOGES, promovido por um grupo de rapazes de nossa melhor sociedade - cf O Paladino, de 19-7-1930, animado pelo Batuque-Jazz, a orquestra de Dalton Lima, de Lajeado.

Nair Dupont, autora do livro PAVERAMA Ontem e Hoje, confirma a semelhança das festas de Kerb no Vale. No baile das “damas”, a moça tinha o direito de escolher o rapaz para dançar. Lembra que as bandas que animavam os Kerb e os bailes de Paverama eram o “Jazz Flor do Sul” e o “Jazz Flor de Maio” do local.

O Kerb de Paverama ocorre sempre no primeiro domingo do mês de fevereiro. Na terça-feira, o Grupo da Melhor da Idade promove o “Baile da Saudade”, convidando diversos grupos da região e do estado.

Algumas comunidades interioranas ainda comemoram Nach Kerb o que se poderia traduzir como pós-Kerb, no máximo um mês depois, com apenas um baile.

José Alfredo Schierholt,
Acadêmico da ALIVAT
Cadeira nº 5 – Patrono Lothar Francisco Hessel
Texto no livro IV da ALIVAT em 2013

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