Negócio da carpa no RS envolve 50 mil agricultores e movimenta milhões
Produção vira alternativa de renda para pequenos agricultores do estado.
Aproveitamento das sobras da produção é uma vantagem para o agricultor.
A produção de carpas virou uma alternativa de renda para pequenos agricultores do Rio Grande do Sul. De acordo com a Emater, a criação de carpas aumenta cerca de 8% ao ano no estado. A fórmula é simples: usar a água disponível nas propriedades e aproveitar o que sobra da produção agrícola.
Quando se fala em carpas, a primeira imagem que vem à cabeça de muita gente é de peixes coloridos de ornamentação, que embelezam jardins e outros ambientes. Mas existem espécies de carpas com utilidades diferentes.
São as carpas produzidas para o consumo. O curioso é que o cultivo de peixes que vamos conhecer vem crescendo justamente em um estado que tem tradição por produzir a carne bovina.
Na região central do Rio Grande do Sul, municípios como Estrela, Arroio do Meio, Montenegro, Roca Sales e Cruzeiro do Sul são rodeados de vales, cortados pelo rio Taquari. Neste cenário vivem agricultores como a família Möhler.
A roça e a criação de ovelhas não são mais a principal atividade no sítio de 20 hectares. Há 15 anos, Ênio Möhler resolveu diversificar e apostou na produção de carpas, especialmente de alevinos, os filhotes de peixes para comercialização. Hoje ele tem 47 tanques.
“Começamos com um, dois açudes. A gente gostava tanto que resolveu abrir um laboratório e começar com a produção. A procura foi aumentando, 20% em três anos”, diz Möhler, agricultor e produtor de alevinos.
As carpas cultivadas no estado são de origem chinesa e foram desenvolvidas na Hungria. Chegaram ao Brasil no início dos anos 80. A fase de reprodução natural delas ocorre quando a temperatura da água está mais alta, entre 24 e 26 graus. Como no Rio Grande do Sul as estações são bem definidas, a desova ocorre uma vez ao ano, a partir da primavera. Isso ajuda no manejo e no controle da criação.
Só de alevinos, a família Möhler chega a produzir dois milhões de peixes por ano. Eles recebem entre R$ 0,20 e R$ 3 pela unidade, dependendo do tamanho que os peixinhos são vendidos.
“A gente vende conforme o produtor quiser. O pequeno de quatro centímetros, de oito a dez... O de 20 a 25 centímetros é o mais procurado. Em 12, 13 meses é um peixe pronto”, explica Möhler.
Márcia Möhler, esposa de Ênio, é a responsável pela ração dos alevinos e também faz o trabalho mais pesado. “Ajudo a puxar a rede de 30, 40 metros, mas também de atender bem os clientes”, conta.
Para Diego, o filho do casal, é uma oportunidade de futuro. Já para avó dele, mãe de seu Ênio, a dona Irmghartt, de 76 anos, é uma terapia. “Eu trabalho na roça desde o sete anos. Mas não conhecia de alevinos. Passava mais doente no hospital do que em casa. Depois que ele começou com os alevinos eu me curei sem remédios. Mudou tudo para melhor”, conta.
O Rio Grande do Sul produz hoje em torno de 17 mil toneladas de carpas por ano, em uma área de 20 mil hectares. Expandir esses números é a proposta de um projeto da Emater. O coordenador, o agrônomo Henrique Bartels, explica que a ideia é gerar renda, com o melhor aproveitamento da água disponível nas propriedades.
“Apenas 55% da produção é comercializada, então tem espaço pra comercialização de peixes, além disso, o produtor pode utilizar para alimentação da sua própria família”, declara Bartels.
O agrônomo João Sampaio é um dos responsáveis por orientar os agricultores. De acordo com a Emater, 97% da piscicultura gaúcha está dentro de propriedades familiares, que utilizam o sistema semi-intensivo de criação.
“Baseia-se na produção de alimento natural na água, estimulado pelo produtor, e ao mesmo tempo, complementa esse alimento natural com subprodutos da propriedade”, explica João Sampaio, agrônomo da Emater.
O aproveitamento do que sobra da produção agrícola é uma das principais vantagens para o agricultor. “Como eles são onívoros, podem comer de tudo, farelo de açúcar, sobras de frutas, de verduras, grãos, cereais, tubérculos, todos os alimentos que são naturalmente produzidos na propriedade rural familiar”, diz.
No sistema semi-intensivo a ração não é fundamental. Rações específicas para peixes podem ser usadas, se o produtor quiser um crescimento mais rápido da carpa.
O mesmo pasto que alimenta o gado é suficiente pra engordar a carpa capim, por exemplo, a espécie de carpa mais cultivada no Rio Grande do Sul. Além da capim, outras três deram certo no sul do país. Cada uma se desenvolve numa faixa diferente do viveiro. Mais acima, quase na superfície, fica a carpa capim. No meio do tanque, a carpa prateada e a cabeça grande. E no fundo do viveiro a carpa húngara.
Os viveiros para a criação de carpas não devem ser ter uma profundidade muito grande. Os raios solares são importantes pra estimular a produção natural de alimentos.
Os tanques são os chamados viveiros de solo, sem revestimento. O recomendado é que tenham até 1,20 metro de profundidade. Um disco ajuda o produtor medir a transparência da água.
“Ele trabalha com a percepção do nosso olho. Você afunda ele na água e quando ele desaparece, você tem a medida da transparência. Nós buscamos que a água tenha uma transparência em torno de 60 centímetros. Isso significa que nós temos produção de microorganismos, que vão servir tanto para alimentar os nossos peixes, como para possibilitar uma boa qualidade da água”, explica Sampaio.
Para quem não tem o disco, Beto Schwarzbold, que tem 18 anos de experiência, dá uma dica. “Coloque o braço na água até o cotovelo. Se você enxergar sua mão, é sinal de que a água tem uma boa transparência”, ensina.
Beto e o pai, Walmor Schwarzbold, plantam soja, milho e criam gado de leite, mas a produção de carpas é responsável por 50% da renda da família. Eles trabalham com engorda e reprodução de carpas em 65 viveiros. “É um investimento relativamente alto porque tem que construir os tanques e açudes, mas tá compensando”, comenta. Walmor transformou a estrutura que guardava o fumo da antiga plantação de tabaco, no local que abriga os tanques dos alevinos.
Em outro sítio, é dia de passar a rede no viveiro de carpas do seu Oscar Padoan. Para vender a produção, Oscar achou uma maneira bem simples, ele faz uma feira do peixe na propriedade. Os vizinhos e outros moradores da região aproveitam pra levar pra casa o peixe recém tirado do açude. A feira, realizada há sete anos, complementa a renda do agricultor. Feita no esquema de “venda direta”, não dá gasto para o agricultor. “Não precisa de combustível para levar. O cara vem e vai embora com o peixe vivo. Às vezes falta peixe”, conta. A carpa tirada na hora sai por R$ 8 o quilo.
O aumento na procura pela carpa na região fez Sigmar Sheer investir em uma agroindústria. Sessenta por cento da produção é dele. O restante é de 50 agricultores parceiros, que recebem alevinos para fazer a engorda. Peixes entre dois e cinco quilos estão prontos para o abate.
Logo que saem do viveiro, as carpas precisam ainda ficar um dia em tanques com água limpa para fazer a depuração. “Ele vem estressado e quente. Essa água exatamente é pra fazer a limpeza do peixe, pra esfriar o peixe, senão ele não larga a sangria”, explica Sigmar Sheer, agricultor e produtor de carpas.
A retirada correta do sangue é importante para a qualidade da carne, como explica a filha de Ênio, Ariana Scheer, que coordena a agroindústria. “Ela acaba ficando com um gosto um pouco mais forte e não tão suave como consumidor prefere”, diz Ariana Scheer.
Os cortes são os mais variados. Por dia, os funcionários chegam a abater mil quilos de peixe. “Mesmo a carpa húngara sendo a carpa com maior teor de gordura, é uma carne muito suave, agradável, bastante apreciada”, comenta Sampaio, agrônomo da Emater.
Hoje, as carpas movimentam mais de R$ 60 milhões ao ano no Rio Grande do Sul, sem tirar espaço da soja, do milho, do capim. E ainda melhoram a renda e a alimentação de 50 mil pequenos produtores gaúchos, que além da carne de boi ou da ovelha, já podem saborear um bom churrasco de peixe.
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